sábado, 27 de agosto de 2016

Salve, prudente Virgem

 Após os versículos iniciais, comentados em Matinas, o presente Hino canta as honras da Virgem Imaculada, santa desde o primeiro instante de seu seis isenta de toda mancha de pecado.
Maria Santíssima, nesta Hora, será louvada como a única criatura digna de ser Mãe de Deus, e que assim se constitui como a porta pela qual, obrigatoriamente, entram todos os justos no Céu, como afirma o santo cartuxo: “Quem se salvará? Quem conseguirá reinar no paraíso? Aqueles, sem dúvida, por quem tiver rogado a Mãe de misericórdia”.
Nossa Senhora será cultuada como a Restauradora da Ordem: “O que fez Eva, associada a Adão, para a ruína do gênero humano, foi reparado por Maria, nova Eva, associada a Cristo, novo Adão”2

“É Ela a Virgem prudentíssima, em cujo Imaculado Coração ardeu continuamente a lâmpada do amor divino, sem qualquer apego às coisas terrenas” . Digna mansão que edificou para si a eterna Sabedoria, Maria recebeu em seu seio virginal o  verdadeiro Pão da Vida, Jesus Cristo Nosso Senhor
Anunciada pelos lábios de Balaão, Nossa Senhora é a Estrela de Jacob que, na proteção dos seus filhos, aterroriza e resiste de forma invencível ao demônio.
Salve, prudente Virgem
Esta homenagem a Nossa Senhora tem como ponto de referência a parábola narrada pelo Divino Mestre quando, às vésperas da Paixão, recomendava aos homens vigilância e prudência (Mt. XXV, 1-13):
“Então será semelhante o reino dos Céus a dez virgens, que, tomando suas lâmpadas, saíram ao encontro do esposo. Cinco delas eram loucas, e cinco prudentes. As cinco loucas, tomando as lâmpadas, não levaram azeite consigo; as prudentes, porém, levaram azeite nos seus vasos juntamente com as lâmpadas. E, tardando o esposo, começaram a toscanejar todas, e adormeceram. À meia noite, ouviu-se um clamor: Eis que vem o esposo, saí ao seu encontro. Então levantaram-se todas aquelas virgens, e prepararam suas lâmpadas. As loucas disseram às prudentes: Dai-nos do vosso azeite, porque se nos extinguem as lâmpadas. Responderam as prudentes, dizendo: Para que não suceda talvez faltar-nos ele a nós e a vós, ide antes ao que o vendem, e comprai-o para vós. Mas, enquanto elas foram comprá-lo chegou o esposo, e as que estavam preparadas entraram com ele a celebrar as bodas, e foi fechada a porta. Mais tarde vieram também as outras virgens, dizendo: Senhor, Senhor, abre-nos! Ele, porém, respondeu: Na verdade vos digo que não vos conheço. Vigiai, pois, porque não sabeis o dia nem a hora.”
A Virgem prudentíssima
Maria Santíssima é a “Virgem prudente que soube manter bem acesa sua lâmpada, alimentando-a abundantemente com o azeite da divina graça, aguardando o Esposo para as bodas de Deus com a humanidade, na Encarnação” .
A prudência de Nossa Senhora é uma de suas glórias, sempre admirada pelos Santos e autores eclesiásticos.
Para Santo Efrém, Maria é “a primeira de todas as criaturas, prudentíssima, sagacíssima e iluminadora Virgem” .
Santo Ildefonso escreve: “Não se trata de uma Virgem qualquer, senão uma do número das prudentes e a primeira entre as primeiras, que segue o Cordeiro com a maior proximidade, aonde quer que Este vá” 6
Salienta o piedoso Abade Raimundo Jordão: “Virgem disciplinada no pensamento, no ouvir, no olhar, no olfato, no paladar, no riso, na fala, no tato, no andar e em todo o movimento, de modo que d’Ela se diz: «A boca do homem prudente é procurada na assembleia e os outros pensarão nas suas palavras dentro dos seus corações» (Ecles. XXI, 20)” .
Exclama Santa Catarina de Siena: “Ó Maria, vaso de humildade em que arde a luz do verdadeiro conhecimento, com a qual Vos elevastes acima de Vós mesma e agradastes por isto ao Padre Eterno, e Ele Vos arrebatou e atraiu a si, amando-Vos com singular amor! [...] O Maria, porque tivestes esta luz, não fostes néscia, mas prudente” 8
E São Bernardo comenta: “Não era [Maria] das virgens fátuas, mas Virgem prudente, [...] cuja ardentíssima lâmpada foi um assombro para os mesmos Anjos de luz, de modo que diziam: «Quem é esta que caminha como a aurora que se levanta, formosa como a lua, eleita como o sol?» Porque mais claramente que todas as outras, brilhava Aquela a quem enchera do azeite da graça o próprio Cristo Jesus, Filho seu e Senhor nosso” .
Manifestações da prudência de Maria
Vejamos agora, pelo ensinamento de um dos grandes mariólogos do século XX, como se manifestou a virtude da prudência em Nossa Senhora:
“Para se operar com prudência — escreve o Pe. Roschini — são particularmente necessárias três condições: examinar com ponderação, resolver com bom senso, executar com exatidão.
“Em Maria se encontrava esta rara prudência sobrenatural, elevada ao mais alto grau de perfeição a que possa chegar uma criatura humana. Ela foi a Virgem prudentíssima: prudentíssima em relai ao fim que se propôs, que foi só de agradar sempre e em tudo a Deus e de servi-Lo e de amá-Lo com toda a capacidade de seu coração. Prudentíssima nos meios por Ela empregados, que foram escolhidos com ponderação, circunspecção e conselho.
“Ela não fez nunca, como se expressa o Cardeal Lépicier, coisa alguma com precipitação, falta de consideração, inconstância, porém se aconselhava primeiro com seu celeste Esposo, ponderando com sábia lentidão os motivos e as razões de suas obras, julgando com paz e quietude a respeito do procedimento a ter e seguindo pontualmente os ditames da razão e da fé».
Mestra incomparável em calar
“Uma prova eloquentíssima da prudência de uma pessoa consiste em saber calar e saber falar em tempo oportuno; pois, como diz o Eclesiástico (III, 7), há tempo de calar e tempo de falar. Em uma e outra coisa, Maria foi incomparável.
“Poderia ter falado, observa justamente um piedoso autor, manifestando a José o arcano mistério que se havia operado n’Ela, dissipando assim a perturbação do amantíssimo Esposo; mas isto seria revelar o segredo do Rei do Céu, isto se teria convertido em glória sua; preferiu, pois, calar e deixou que falasse Deus por meio do Anjo.
“Teria podido falar em Belém, quando Lhe foi recusada hospedagem, dando a conhecer a nobreza de sua origem, sua sublime dignidade: a humildade profunda e o desejo de sofrer, de conformar-se com o querer divino, A persuadiram ao silêncio e calou-se.
“Quantas coisas teria podido dizer aos Pastores e aos Magos que vieram visitar o Divino Infante. Isto poderia ter perturbado a adoração e a contemplação desses santos personagens diante de Jesus: a glória de Deus, a caridade para com os Magos e os Pastores a impediram de falar e calou-se.
“Ouvia com admiração tudo o que diziam para a glória do Filho, de sua celeste doutrina, de seus milagres; Maria, mais que os outros, O admira em seu coração, e neste conserva com desvelo aquelas palavras e aqueles fatos.
“O velho profeta Simeão Lhe prediz os destinos do Filho e seus futuros e atrocíssimos tormentos; Maria não acrescenta uma só palavra, pois está pronta para tudo, não exalta sua resignação, escuta, oferece-se a si mesma em holocausto junto com o Filho, e cala-se.
“Pelas mesmas justíssimas razões, cala-se sob a Cruz, cala-se nas tribulações, nas humilhações, como, por modéstia, cala-se na alegria e na glória. Eis as provas admiráveis de prudência divina que nos oferece o silêncio de Maria: Tempus tacendi.
Mestra insuperável no saber falar
“Mestra incomparável no calar quando se devia calar, mostrou-se também mestra insuperável no falar a tempo, no lugar e do modo conveniente, isto é, quando e quanto convém para dar glória a Deus e fazer bem aos homens.
“Também aqui são os fatos que provam. Falou ao Arcanjo São Gabriel e não podemos deixar de admirar a prudência de suas palavras. Falou à sua parenta Santa Isabel e suas palavras fizeram exultar de pura alegria, ainda antes de seu nascimento, o futuro Precursor de seu Filho. Suas palavras foram uma profissão de humildade, de gratidão, um cântico de louvor, um hino sublime de agradecimento ao Onipotente: Magnificat anima mea Dominum.
“Falou com o Filho no Templo e suas palavras foram uma admirável demonstração de afeto e de solicitude maternais.
“Falou nas bodas de Caná e com suas palavras ficou patente sua compassiva misericórdia para com os necessitados e sua ilimitada confiança em Deus. Ó admirável prudência de Maria, prudência incomparável tanto no falar como no calar!... Ó Virgem prudentíssima!” l0
Prudente no conformar seus atos à reta razão
Aos anteriores ensinamentos, podemos acrescentar o de D. Gregório Alastruey, encontrado nas páginas de seu Tratado de la Virgen Santísima:
“É próprio do prudente dirigir tudo o que faz de acordo com a norma da razão e da fé, de modo que nada faça senão o que é reto e louvável. Isto convém à Bem-aventurada Virgem Maria, que nunca se desviou do ordenado pela razão e pela fé em nenhuma de suas acções ou operações” 11.
Prudência no entender o presente, recordar o passado e prover o futuro
“Faz parte da prudência — prossegue o mesmo autor — o entender as coisas presentes recordar as passadas e providenciar as futuras.
“A Santíssima Virgem teve inteligência das coisas presentes, que consiste em deliberar, antes de agir, o que e como se deve fazer, por que, saudada pelo Arcanjo que Lhe anuncia o mistério da Encarnação, pensou consigo mesma, ponderando que saudação seria aquela, qual seria seu sentido e a que se encaminharia, suspeitando que se solicitava d’Ela algo grande e acima da ordem comum. «Reflete, pois, diz São Pedro Crisólogo, porque o responder imediatamente é próprio da ligeireza humana; mas refletir é próprio de espíritos muito ponderados e de juízo muito maduro».
“Ademais, Maria, instruída pelo Arcanjo de que havia sido eleita para Mãe de Deus, pergunta como havia de cumprir-se aquilo; e perguntar desta maneira não só não se deve imputar ao vício da desconfiança, mas deve considerar-se digno de louvor e atribuir-se à prudência, que interroga quando é necessário ou conveniente conhecer o modo, como foi necessário a Maria, que havia feito voto de guardar perpetuamente a virgindade. Pelo que diz Ricardo d São Lourenço:
«A sua prudência foi a de, perturbada, cala, entender o que ouviu e responder ao que se Lhe propôs».
“Maria teve memória das coisas passadas, posto que incessantemente meditava os oráculos dirigidos a Ela, as graças n’Ela acumuladas e os preclaros ditos e feitos de seu Filho, como diz São Lucas (II, 19): «Maria guardava todas essas coisas, conferindo-as em seu coração».
“Maria também operou com providência não apenas custodiando seu Filho e afastando d’Ele os perigos previstos, mas também dispensando-Lhe os cuidados materiais, vestindo-O e alimentando-O para que a seu tempo Ele se oferecesse a si mesmo na ara da Cruz e cumprisse a obra da Redenção. [...] Era, pois, sem dúvida, Virgem prudentíssima” 12
No amar as coisas do Céu e no desprezar as da Terra
Aprofundando-se na Consideração dessa virtude cardeal de Maria, o Pe. Jourdain dela nos apresenta outras características:
“Diz Santo Agostinho que a prudência é uma afeição ou um movimento da alma, pelo qual se compreende que as coisas eternas são superiores e as coisas terrenas inferiores. [...]
“Tal foi a prudência de que se revestiu a Virgem Mãe de Deus.
“Ela desviou de seu olhar e de suas afeições, desprezou e deixou de lado todo o brilho da glória temporal, todo favor e toda carícia da fortuna. Fitou o Céu e as coisas celestes, aos quais desejou e amou. [...]
No conhecer as coisas divinas e humanas
“Com frequência chamamos prudentes os que são instruídos, experimentados, sábios, e podemos, com razão, definir a prudência: o conhecimento das coisas divinas e humanas, a ciência do justo e do injusto. A Virgem Mãe de Deus foi dotada no mais sublime grau deste conhecimento, e por isso é aclamada justamente como a Virgem prudentíssima
“Primeiro, a Bem-aventurada Virgem possui a mais perfeita inteligência da Sagrada Escritura. Ricardo de São Lourenço a chama Arca das Escrituras; São Germano, Arcebispo de Constantinopla, [a honra como sendo] o selo de um e outro Testamento São Vicente Ferrer afirma que a Virgem conhecia melhor a Bíblia do que os Profetas. [...]
“A ciência que Maria possuía das coisas divinas era tal, que não raras vezes os próprios pensamentos de seu Divino Filho não Lhe eram desconhecidos, como se viu nas Bodas de Caná. Como poderia, Aquela que foi a Mãe da ciência e da sabedoria substanciais de Deus, não possuir no mais alto grau esta ciência e esta sabedoria do Verbo Divino n’Ela encarnado?
“Por outro lado, Maria lia com frequência as Escrituras, e nelas descobria os mais sublimes mistérios; sua contínua oração, suas profundas e santas meditações eram ainda para Ela outra fonte de luz”
Tal foi a prudência de Maria.
1) DIONÍSIO, o Cartuxo. In: LIGUORI, Afonso Maria de. Glórias de Maria Santíssima 6ed. Petrópolis: Vozes, 1964. P. 158.
2) ROYO MARÍN, Antonio. La Virgen Maria: Teología y espiritualidad marianas. BAC, 1968. p. 51.
3) Cfr. JOURDAIN, Z-C. Somme des Grandeurs de Marie. Paris: Hippolyte Walzer, 1900 Vol. III. p. 125.
4) PEQUENO OFÍCIO DA IMACULADA CONCEIÇÃO em latim e português com comentários. São Paulo: Paulinas, 1956. P. 89-90.
5) EFRÉM. Serm. de Ss. Dei Genit, VM laudibus. Apud ALASTRUEY, Gregório. Tratado de la Virgen Santísima, 3. ed. Madrid: BAC, 1952. p. 304.
6) ILDEFONSO. Semi. 1, DeAssumpt. B.M.VApud ALASTRUEY, Gregório.
7) JORDÃO. Raimundo. Conten ipl. de B. T’iigine 8, Apud ALASTRUEY, Gregório. Loe,
8) SIENA, Catarina de. El Dialogo. Madrid: BAC, 1955. p. 600-601.
9) BERNARDO. Obras Completas. Madrid: BAC, 1953. Vol. I. p.711-712.
10) ROSCHJNI, Gabriel. Instmções Marianas. São Paulo: Paulinas, 1960, p. 167-168.
11) ALASTRUEY, Gregório. Tratado de la J4ìgen Santísima. 3. ed. Madrid: BAC, 1952. p. 304.
12) Idem, p. 305-306.
13) JOURDAIN, Z-C. Somme des Grandeurs de Marie. Paris: Hippolyte Walzer, 1900. Vol. III. p. 124-127.


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